Há muito tempo, me deparei com um desenho com a seguinte descrição: um homem olhando para o céu com lama até o joelho. Logo abaixo, havia uma frase que dizia que temos que aprender a enxergar o lado bom da vida. Durante alguns segundos, senti um certo incômodo sem encontrar uma explicação plausível. Afinal de contas, era uma mensagem otimista que sugere o direcionamento da nossa atenção para as coisas boas da vida.
No primeiro momento, apesar do incômodo, considerei pertinente aquele pensamento. No entanto, após breve reflexão, cheguei a uma conclusão preliminar: esta imagem sugere, na verdade, uma vida permeada de ilusão, ou seja, ter olhos apenas para o céu, quando estamos atolados na lama, significa uma total falta de contato com o todo da nossa existência. Esse pensamento vale também, considerando um homem que olha apenas para a lama. Aliás, é muito comum que pessoas com a auto-estima comprometida não vislumbrem o céu lindo que está sobre suas cabeças.
Diante disso, podemos aprofundar essa reflexão considerando alguns aspectos que, particularmente, considero relevantes. Inicialmente, parto do princípio de que necessitamos fazer contato com a lama para podermos, efetivamente, pensar na possibilidade de sairmos dela. Essa lama, que impede que andemos para frente com desenvoltura e fluência, precisa de atenção e tempo de dedicação. Esse esforço, muitas vezes hercúleo, depende da nossa disponibilidade para fazermos contato com aquilo que costuma gerar sofrimento, ou seja, culpa, depressão, medo, raiva, dentre outros.
Por outro lado, a condição sine qua non para sairmos dessa posição desfavorável passa pela utilização dos conteúdos, características, recursos, conquistas, qualidades, enfim, tudo que está disponível nesse céu repleto de potencial de crescimento. Não adianta querermos ter algo que não temos ou ser de um jeito que não somos, permeando as vias do idealismo e do perfeccionismo. Nós precisamos ter e ser na perspectiva do aqui e agora, considerando sempre o que é possível e o que está ao nosso alcance no momento presente. Dentro dessa perspectiva, em última análise, o possível precisa ser entendido como o máximo. Compreender isso é imprescindível para tornar a vida mais leve, com níveis de exigência mais justos e compatíveis com a nossa real condição.
Em outras palavras, precisamos nos aceitar exatamente como somos. Alguns podem questionar sobre a validade dessas palavras, argumentando que seria um discurso que beira o comodismo e o conformismo. Entretanto, paradoxalmente, esta é a condição básica para efetuarmos as mudanças que necessitamos implementar em nossas vidas. Afinal de contas, o processo de mudança se dá somente a partir de quem somos e não do que gostaríamos de ser.
Enfim, a vida, na sua complexidade, exige que façamos contato tanto com o céu quanto com a lama, por mais angustiante e desconfortável que possa ser. Pode-se dizer que essa visão é mais uma faceta da necessidade e importância da integração de polaridades em todos os níveis, considerando a perspectiva da Gestalt-terapia. A conjunção entre as descobertas de elementos existentes em ambos os lados representa o cerne do processo de autoconhecimento. A ampliação desse processo é a concretização do constante vir a ser da nossa existência e representa, parafraseando Raul Seixas, a figura da “Metamorfose Ambulante”. Mas isso é uma outra história...
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